quinta-feira, 1 de novembro de 2007

CORONEL MEIRA QUER VOLTAR PARA AS RUAS

Marcela Valença, assistente social do GAJOP, questiona a apologia do Coronel Meira feita pela Imprensa e teme que as classes abastadas, motivadas pelo filme “Tropa de Elite” defendam a política de truculência como meio de acabar com a violência e ação de marginais.

Veja o texto:

“O título deste artigo foi também o da reportagem do jornalista Fred Figueiroa, publicada no Diário de Pernambuco do dia 26 de outubro. A comprometida matéria (para não começar o texto utilizando palavras desagradáveis) é iniciada com um prólogo que em momentos de maior fragilidade emocional me faria chorar: “é uma reportagem com uma pessoa que, como poucas, conhece a violência de Pernambuco de perto, de dentro. Esta será a reportagem com um coronel e com um cidadão. Um policial que não demonstrava medo quando atuava em alguns dos mais violentos conflitos sociais. Um pai que não esconde o medo de saber que os seus filhos também param em sinais de trânsito vermelhos”.

Farei agora o meu prólogo. Para quem anda meio esquecido, Coronel Meira é aquele que, à frente do Batalhão de Choque promoveu vários atos de violação aos Direitos Humanos. Só para citar alguns, podemos lembrar-nos das investidas contra agricultores, movimentos sociais, parlamentares e estudantes - esta última lhe rendeu um processo de abuso de autoridade, aberto após os protestos estudantis, em 2005, quando Meira foi acusado de agir com violência para reprimir as passeatas.

Após esses episódios, em maio de 2007, foi convidado pelo governador Eduardo Campos para assumir a Diretoria-Geral de Operações da Polícia Militar de Pernambuco, permanecendo neste cargo até dez de julho do corrente ano, quando deu entrada no requerimento de transferência para reserva. Embora tenha mais de 30 anos de atividade funcional, o oficial não poderá ter seu pedido atendido, pois sua aposentadoria (e merecido descanso) está vinculada ao término do processo já citado.

Mas espere aí, ele não quer descansar não! A reportagem veiculada foi muito clara. Segundo os dizeres do próprio Meira, “sou um cidadão e acho que posso contribuir muito para a segurança pública daqui. O estado investiu em mim, me formou para isso, e estou pronto para voltar”.

No entanto, o que mais chama atenção, não é o desejo que o Coronel tem de regressar à ativa, mas a motivação desse desejo, ou seja, o filme “Tropa de Elite”. De acordo com Meira: “O bom policial ficou de peito lavado. Pela primeira vez, eu senti que a sociedade começou a entender que existem os dois ladosda polícia. O lado do bem e o do mal”.

Assisti ao filme recentemente, mas talvez não tenha prestado a atenção devida. Seria o lado do mal formado pelos policiais da polícia comum que realizam serviço de segurança particular, que não têm “amor à farda”, que se associam ao tráfico, se corrompem e tornam-se também “bandidos”? Seria o lado do bem formado por aqueles policiais pertencentes à Tropa de Elite que sobem o morro atirando indistintamente, matando inocentes, torturando, aterrorizando? Ética meio confusa essa sua, não é Coronel? Não consigo enxergar o que o senhor denomina de o lado do bem, a explicação estaria na minha miopia?

Infelizmente, ao que parece, nem Meira nem boa parte da população que assistiu ao filme não foram acometidos pelo mesmo problema oftalmológico. Contudo, na fala do Coronel existe uma verdade que não pode ser negada: a população hoje está aplaudindo de pé não só a obra de ficção, mas também a não pode ser negada: a população hoje está aplaudindo de pé não só a obra de ficção, mas também a ação truculenta da polícia, que, contra bandido, pode usar os mais bárbaros métodos de tortura. Vale destacar que não acredito que a truculência seja sinônimo de competência, pelo contrário, é o primeiro sintoma de uma polícia despreparada.

Ao tratar sobre os mandos e desmandos e idas e vinda do Coronel Meira, não quero ter como foco de análise a conduta de um indivíduo, antes pelo contrário, quero levantar a discussão sobre qual Justiça e Segurança estamos querendo construir. Reduzir a discussão a essa pessoa no singular é no mínimo ser simplista. É esquecer que, em primeiro lugar, ele só assumiu o cargo de Diretor-Geral de Operações da PM porque foi convidado (e, ao que parece, não tomou o cargo à força, segundo informações do governo, foi nomeado por conta dos seus méritos – até hoje me pergunto: quais?) e depois, é fazer de conta que não sabemos que o Estado brasileiro é um dos maiores violadores dos Direitos Humanos.

Parece que já estamos acostumados com um Estado que negligencia, que fere, que mata. Estamos tão familiarizados com a barbárie que conseguimos achar explicação para justificar a violência e a tortura, desde que as mesmas sejam direcionadas para uma determinada classe social.

Por outro lado, quando a violência atinge camadas mais abastadas da sociedade, logo ganha visibilidade nos meios de comunicação e gera protestos, mobilizando, assim, formuladores e executores de políticas de segurança pública.

A sedimentação da cultura da crise faz criar uma forma de sociabilidade e uma forma de estar no mundo que passa a oferecer condições objetivas para o fortalecimento da violência e para a estruturação de um “Estado forte” que tem no poder das armas a justificativa da sua existência.
No entanto, o meu maior receio, na verdade, não é a volta de Meira (alguém duvida que isso aconteça?). Temo que a moda do “Movimento Cansei” pegue e que a população pertencente à elite Pernambucana - cansada de tanta violência, cansada de não poder ostentar seus bens para que a classe subalterna se sinta envergonhada de sua incompetência e preguiça - saia às ruas, em seus carros importados (e blindados), vestida de branco, com belíssimas faixas e entoando um grito emocionado clamando: Volta Meira! Volta Meira!”

Nenhum comentário: