terça-feira, 9 de outubro de 2007

TRANSNORDESTINA: O CONTO DA CAROCHINHA

Os com mais de 40 anos sabem. Os novos, talvez não. Mas muitos já ouviram falar em conto da carochinha, marcado pelos elementos fantástico ou sobrenatural, intercalados com seres fabulosos, animais com aspecto humano e objetos mágicos. Numa linguagem mais nossa, “história pra boi dormir”.

Querem conhecer um conto da carochinha? Ele começou a ser contado no século XIX pelos ingleses da antiga Great Western, a estrada de ferro central de Pernambuco que chegou a ligar o Recife a Salgueiro. No começo, o conto não tinha elementos fantásticos nem objetos mágicos.

Existia interesse econômico e vontade política para a implantação da ferrovia ligando o Recife à alagoana Piranhas e à pernambucana Jatobá, nome de Petrolândia antes da construção da hidrelétrica de Itaparica. A estrada-de-ferro foi construída e funcionou até 1964. Aí, os militares entenderam que o transporte do futuro era o rodoviário. E mandaram arrancar os trilhos.

Essa ferrovia seria, na realidade, o embrião da Transnordestina, ao interligar os vários sertões pernambucanos com as principais capitais nordestinas. À semelhança do conto da carochinha, a Transnordestina passou a ser povoada por seres fabulosos e elementos surrealistas.

Com a privatização da Rede Ferroviária Federal, sucedânea, em Pernambuco, da Great Western, a Transnordestina incorporou novos elementos sobrenaturais. A Companhia Ferroviária do Nordeste, comandada por Benjamin Steinbruch, venceu a concorrência para administrar a malha regional.

No dia 30 de junho de 2001, ao escrever, no Diário de Pernambuco, o comentário “Cruzando caminhos”, eu dizia que as empresas comandadas, à época, por Steinbruch – Vale do Rio Doce, Vicunha e CFN - iriam formalizar nos primeiros dias de julho, portanto há seis anos e três meses, um acordo com o Governo Federal para início das obras da Transnordestina e recuperação da malha ferroviária do Nordeste, incluindo o trecho Recife-Maceió.

Aí o real passou efetivamente para o terreno do imaginário. A Transnordestina, inicialmente um pleito pernambucano, foi encampado pelo Ceará, onde Steinbruch instalara um complexo têxtil. Como não havia fatos novos, criavam-se, a cada três meses, versões, com políticos ligados a Steinbruch anunciando novas medidas para implantação da ferrovia.

Ao assumir a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva prometeu colocar a ferrovia nos trilhos. Passados quatro anos e 10 meses, a Transnordestina mudou de traçado, incorporou áreas do Ceará e do Piauí e englobou o pólo gesseiro de Pernambuco, formado pelos municípios do Sertão do Araripe. Mas não saiu do papel.

De nada adiantaram os discursos do presidente da República. A CFN passou por cima de todos, descarrilando os planos do atual Governo. Como a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, não abre nem para um trem, ela deu, há exatos sete dias, um ultimato às empresas responsáveis pela Transnordestina e Ferronorte: ou começam as obras ou perdem as concessões.

No dia seguinte, o presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, Benjamin Steinbruch, encontrou-se com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, para lançar a culpa pelo atraso na inexistência do projeto executivo e do EIA-Rima, com previsão de conclusão só no próximo ano.

Juntou-se a essa “história pra boi dormir” uma mais fantástica, contada pelo pernambucano Luciano Coutinho, presidente do BNDES: “O que está bloqueando o início das obras são as desapropriações e também a conclusão dos projetos executivos, que devem ser finalizados até fevereiro de 2008”. O detalhe: o BNDES já aprovara um empréstimo de R$ 100 milhões para as obras da Transnordestina, dos quais R$ 30 milhões já foram liberados.

As declarações, contrapesos no jogo da comunicação, foram seqüenciadas um dia depois da visita do presidente da CFN. Desta vez, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, anunciou a desapropriação de 358 imóveis localizados no trecho Salgueiro-Trindade. O DNIT repassou 90% de um total de R$ 1,5 milhão.

Pelo ranger dos trilhos e o apito do trem, conclui-se que a história da Transnordestina pode entrar por uma perna de pinto e sair por uma de pato.

Um comentário:

Helyda Gomes disse...

Show de bola essa matéria..............

parabéns.