Nem tudo é verde. Nem tudo é belo num perímetro irrigado. Ao se sobrevoar o submédio São Francisco, nas cercanias da baiana Juazeiro e da pernambucana Petrolina, a impressão é de um oásis, de um pomar em meio à aridez do semi-árido.
Para mostrar que nem tudo são flores nas áreas irrigadas, o estudante de Jornalismo e Multimeios, da UNEB, em Juazeiro, Micael Benai, postou para o BlogMadrugador a matéria "Memórias de uma batalha diária - A saga dos trabalhadores rurais no Perímetro Irrigado de Maniçoba-BA"
Tudo escuro ainda. O cantarolar dos galos anuncia a chegada de mais um dia. Às quatro horas e meia da manhã, os cachorros testemunham a chegada daquela gente simples que se aglomera em frente à Panificadora Alcântara, localizada na Avenida Jorge Khoury, Projeto Maniçoba, a 30 km do município de Juazeiro. Trabalhadores rurais, bóias-frias, diaristas. Existem várias definições para identificar essas pessoas que vivem a promessa do progresso, carregados pela complexidade do regime de trabalho que os obrigam a garantir o sustento diário.
Os olhos sonolentos de Jeane Mota ainda denotam o cansaço do dia anterior. Sonhadora, pensava em terminar os estudos e ser uma professora, mas o destino lhe reservou uma outra condição de vida. Hoje, aos 25 anos, separada, mãe de uma menina de sete anos, ela expõe todas as agruras que em enfrenta. São delírios à beira de um posto de combustível, no qual faz bico nas horas vagas. Acorda às quatro horas, meia hora depois está a caminho da fazenda onde trabalha, 20 km do centro do Projeto Maniçoba. A estrada de chão, o estalo da mata seca, o pó que flutua dentro da lentidão do ônibus são presságios de um tempo cansado, mas vestido de força, coragem e esperança.
No Projeto Irrigado de Maniçoba é grande o número de assalariados rurais temporários que transitam de colheita em colheita. Nem mesmo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) consegue realizar o censo dessa população. Os funcionários públicos, responsáveis pela realização das pesquisas na região, justificam a falta de dados, sob a alegação de que o Governo Federal não libera verbas. As Prefeituras Municipais também não conseguem acompanhar o fluxo dessa população.
Com mais de 16 anos de trabalho na roça, João Nicácio é um pequeno trabalhador agrícola à mercê da sazonalidade para sustentar seus cinco filhos. Aos 53 anos, na companhia de um sol causticante, ele ara a terra, pulveriza e colhe frutos que sustentarão sua família. “Com o meu serviço ganho pouco, mas dá pra sustentar minha família. Consegui botar meus filhos na escola; já tenho uma filha professora e dando aula, os outros ainda estudam. Dou força para eles terminar os estudos e trabalhar, para não ser igual a mim, que não estudei e hoje tô me matando na roça”, diz.
Particularmente no meio rural, a adoção de um modelo em que os trabalhadores gerenciem e comercializem o seu trabalho tem sido uma bandeira de luta em defesa de seus interesses. Segundo Maria Betânia, sindicalista há mais de 12 anos, a maioria dos trabalhadores rurais assalariados é filiada ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Juazeiro (STRJ), que procura lutar por melhores condições de vida e de trabalho: cuidados preventivos com a saúde, salário, transporte coletivo com segurança, além de outras reivindicações. O STRJ reivindica a garantia de direitos trabalhistas, tais como salário maternidade, fundo de garantia por tempo de serviço e décimo terceiro salário.
Labuta
Enormes galpões, solos férteis, policulturas. É assim o cenário que compõe a vida diária de Jeane. Ela tem uma função específica, receber as caixas de embalo das frutas e carimbá-las para exportação. Às vezes, também é escalada para a colheita de frutas no campo na companhia do sol causticante. Mas o seu contrato de trabalho está prestes a expirar. “Tô pensando no que vou fazer da vida e ainda não sei”, confessa.
Com seu João, percebe-se o desgaste físico e mental, que é detectado após os 50 anos de labuta na roça. “Trabalho há muitos anos na roça, já estou ficando velho e muito cansado”, declara. Jeane e João, Mota e Nicácio, seres ingênuos, distintos nas relações de gênero, mas comuns na vontade de vencer, de levar o pão de cada dia para casa. Jeane deseja um emprego e educar a filha para ter uma profissão. João almeja a felicidade dos filhos, aposentar-se para sair da roça e descansar em casa ao lado da sua velhinha.
Ao final do dia, o forro azul-turquesa, aos poucos, dá espaço aos brilhos estrelares, é o término de mais um dia de produção. É hora de olhar para trás, perceber que mais um dia de labuta foi cumprido, arrumar a bagagem e voltar para casa. Na cabeça uma única certeza: amanhã será mais um dia de trabalho na roça.
segunda-feira, 8 de outubro de 2007
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