Pernambuco cultiva mitos
Nós, os
pernambucanos, pensamos alto. Amplificamos nossas idéias antes de colocá-las no
papel e mesmo transpondo-as para as pranchetas, demoramos em transformá-las em
pedra e cal. Somos especialistas em narrativas dos tempos fabulosos ou
heróicos, ou melhor, exercitamos como ninguém a mitologia. Cultivamos heróis
reais e exaltamos obras imaginárias.
Esse comportamento, amálgama da alma
pernambucana, explica o desejo incontido de questionar concorrentes,
adversários políticos e empreendedores. Essa postura do pernambucano reflete-se
no imediatismo, na falta de planejamento e no culto às obras que, por
ultrapassarem séculos, poderiam ser atribuídas a “Santa Engrácia”.
Transnordestina,
Refinaria e Transposição. Três exemplos de “casos não-resolvidos” dos
pernambucanos. Retratos de obras inacabadas e de projetos idealizados, mas
arquivados nas prateleiras do inconsciente coletivo. Deixamos, por conta de um
incêndio, de colecionar o quarto mito: o complexo portuário-industrial de Suape.
Há exatos 51 anos, época em que
Pernambuco era governado por Etelvino Lins, o padre Louis Joseph Lebret
elaborou, em parceria com técnicos locais, um diagnóstico e um prognóstico da
economia estadual, estabelecendo, de forma pioneira no Brasil, a espacialização
das atividades econômicas, com a criação, por exemplo, de cidades-pólo que
barrariam o êxodo para o Recife. O dominicano francês considerava
imprescindível um porto ao Sul do Recife, como forma de reverter o quadro de
pobreza pernambucana. Ele não citava Suape, mas apontava para uma área que só poderia ser confluência dos rios
Massangana, Tatuoca, Merepe e Ipojuca.
O
trabalho, coordenado pela incipiente Comissão de Desenvolvimento de Pernambuco
(Condepe), previa, num “plano a longo termo”, uma série de ações para
“completar a infra-estrutura e implantar o equipamento de base, assegurar as
indústrias de base e essenciais e promover a expansão das indústrias leves e de
pesca”. Esse palavreado todo significava “o caminho das pedras dos pernambucanos”.
Em outras palavras, era a receita para tirar Pernambuco do atraso social e
econômico.
Passados
quase 60 anos, agora é que nós, os pernambucanos, estamos transformando em
pedra e cal as projeções do “Estudo sobre Desenvolvimento e Implantação de
Indústrias, interessando a Pernambuco e ao Nordeste”, defendia três obras
estruturadores (Transnordestina, Transposição e Refinaria); estabelecia a
criação de fábricas de cimento, metalurgia, alumínio, mecânica, motores e
veículos e química pesada; propunha investimentos na educação e, por último,
preconizava a expansão das indústrias leves e de pesca.
Se levarmos em conta que os economistas
consideram o longo prazo um período de 20 anos, as propostas deveriam estar,
portanto, transformadas em pedra e cal antes da década de 80. Nada disso
aconteceu.
Este texto,
elaborado em 15 de setembro de 2005, mostra que, após oito anos, as obras
estruturadoras ainda não foram concluídas.
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