domingo, 18 de novembro de 2007

A TRANSPOSIÇÃO REPETE O QUE ACM FEZ COM O FINOR

A Reunião Regional da SBPC no Vale do São Francisco e o encontro “Pobreza Rural: Desafios e Perspectivas para a Agricultura Familiar no Semi-Árido Brasileiro”, a ser promovido pela Embrapa Semi-Árido, deveriam discutir a transposição do rio São Francisco.

A dúvida, expressa no tempo do verbo, existe por conta das declarações do secretário-geral da SBPC, Aldo Malavasi, na reunião preparatória, no começo do mês, em Petrolina: “Assim do ponto de vista científico, teremos que tomar decisões políticas sobre a água, alicerçadas em dados científicos. Na realidade, nós teremos, na Reunião Regional, representantes de diversas instituições do país para promover o debate da pesquisa científica levar a ciência para o homem comum, levar idéias simples que possam de fato serem aplicadas no dia-a-dia”.

Caso seja a ‘integração de “bacias”, não haverá critério científico, e sim, uma decisão política, baseada numa distribuição injusta de recursos entre os Estados nordestinos. A transposição remete a uma constatação: os dados científicos são questionáveis quando as decisões são políticas. Os benefícios para as pessoas comuns, dependentes dos favores do poder publico, também têm resultados duvidosos.

A explicação é simples e se baseia no que foi feito, ao longo de décadas, no Ceará: os açudes cearenses, considerando os 93 construídos pelo DNOCS, podem acumular 17,787 bilhões de m³, o que corresponde a 52,13% da água represada pela Hidrelétrica de Sobradinho, implantada no submédio São Francisco no fim da década de 70. Os cearenses contam em seu território com 58,33% dos perímetros irrigados e quase 40% dos açudes construídos pelo órgão no Nordeste.

Essa distorção deve-se ao fato de os outros Estados terem dado pouca importância às ações do DNOCS, órgão que esteve para ser extinto quando do fim da Sudene. Essa centralização de obras pode ser constatada numa comparação entre as obras hídricas, inclusive com recursos do DNOCS, nos estados com áreas encravadas no semi-árido, incluindo o Norte de Minas Gerais. (Ver texto anterior)

A disparidade, por exemplo, em relação a Pernambuco chega ao ponto de os três maiores açudes do Estado – Poço da Cruz (450 milhões de m³), Entremontes (339,3 milhões de m³) e Jucazinho (327 milhões de m³) – superarem em apenas 230 mil m³ a quarta maior barragem do Ceará, Araras, com 891 milhões de m³. A maior barragem pernambucana é um pingo d’água se comparada com a do Castanhão (foto), com 6,7 bilhões de m³.

A existência da infra-estrutura hídrica cearense, uma vantagem comparativa em relação aos outros Estados, foi confirmada, em 13 de fevereiro do ano passado, em entrevista do então secretário de Recursos Hídricos, Edinardo Ximenes Rodrigues: “o Ceará é o único estado do Nordeste preparado para receber a transposição do São Francisco, pois vem atacando o problema da falta de chuva há 15 anos”. No site da Secretaria de Recursos Hídricos do Governo do Ceará, o texto referente ao canal da integração corrobora as palavras de Ximenes. (veja endereço eletrônico no final)

A página do Ministério da Integração Nacional sobre o São Francisco, no item Integração de Bacias, há um infográfico (veja no final o endereço do site) esclarecedor: o Ceará é o único Estado onde quase não existem obras no projeto de transposição: elas vêm sendo feitas há décadas.

Desse modo, a questão foi posta, até agora, de forma tímida por opositores do projeto, e ainda não abordada de público pelos governadores leais ao Governo Lula, temerosos de serem cortados da relação de benefícios do poder central.

A transposição é, na essência, uma repetição do que aconteceu no Governo Geisel, época em que o então governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, conseguiu transferir para o Pólo Petroquímico de Camaçari os recursos do Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) correspondentes ao orçamento de um ano. Ninguém chiou. O regime era militar e obedecia quem “tinha juízo”.

Poucos pararam para se perguntar se é justo que o Ceará, após centralizar a maior parte dos recursos do DNOCS ao longo de décadas para implantar uma infra-estrutura hídrica, deva ser o único beneficiário da transposição?

Site do Ministério da Integração Nacional
http://www.integracao.gov.br/saofrancisco/integracao/infografico.asp

Site da Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará
http://www.srh.ce.gov.br/canal-de-integracao


Foto do Açude Castanhão faz parte do acervo do Atlas Eletrônico dos Recursos Hídricose Meteorológicos do Ceará (ano 2004)

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