DA SULANCA AO JEANS, A EPOPÉIA DO AGRESTE

No começo era a sulanca, roupa feita com restos de helanca trazidos de São Paulo. Neologismo criado para superar adversidades financeiras e econômicas. Palavra levada ao ridículo por quem não precisava vender seu trabalho em bancos de feira.

Indiferentes às críticas, os pioneiros José Morais, Manuel Francisco de Deus e algumas familias, como a Monteiro, trabalhavam de sol-a-sol, às margens do Capibaribe e à sombra da Santa Cruz, fabricando e vendendo a sulanca. De retalho em retalho, eles e seus seguidores foram tecendo a economia local.

Juntaram os retalhos, fizeram cobertas. Das rudes, mas coloridas, roupas de cama e mesa, viram que quem cobre uma cama pode vestir um homem, fazer um vestido vistoso para uma mulher e agasalhar uma criança. Os santa-cruzenses irrigaram sua renda com o negócio da sulanca. Estiagem deixou de ser motivo de desespero.

Os bancos de feira, do fim dos anos 40 e começo da década de 50, transformaram-se, no começo do século seguinte, em 6.208 boxes de feiras e 528 lojas do Santa Cruz Moda Center. A cidade exportava muito mais que sulanca. Transferia para outros lugares a persistência, a criatividade.

A 16 quilômeros de distância, pequeniníssimos fabricantes de calçados de Toritama agonizavam, em fins da década de 70, com a produção de sapatos. Para proteger os pés, as fabriquetas ficavam descobertas, sujeitas a chuvas e trovoadas. Os produtos de outros países eram mais baratos. Os de Toritama não davam para pés calejados.

Ainda não se falava em benchmarketing, um termo surgido anos depois para explicar o processo de comparação de uma empresa qualquer com a líder de mercado regional, nacional ou internacional. Em outras palavras, criar um produto similar ou desenvolver um diferenciado.

O toritamense Eudes Florentino da Silva, Eudinho, usou a intuição, o “saber vender”, uma característica dos mascates, símbolo do comerciante pernambucano. Ele viu na confecção com jeans uma forma de “evolução” econômica e social, pois, àquela altura, produzir sapato não calçava ninguém. Ele comprava em Santa Cruz do Capibaribe as sobras de jeans, produzia as roupas e as vendia na feira de Caruaru.

Os 38 quilômetros entre a nascente “Terra do Jeans” e a Capital do Agreste davam panos para as mangas e proteção para os pés. A Feira de Caruaru, onde “Faz gosto da gente ver/De tudo que há no mundo/Nela tem pra vender” passou a oferecer novo produto: o jeans, lançado, no mundo da moda, por Calvin Klein ao apresentá-lo numa passarela.

Os santa-cruzenses criaram a Sulanca; os toritamenses popularizaram o jeans e os caruaruenses atrairam os compradores para a Cidade das Feiras, definição de Caruaru na visão do compositor Onildo Almeida. O porquê do sucesso do setor de confecções deve-se ao fato de ele ter começado pelo lado comercial, ou seja, a demanda puxou a oferta.

“A feira foi o estopim desse processo que não se daria se começasse pela produção”. Com essa interpretação, o empresário de confecções Wamberto Barbosa enfatiza o empreendedorismo, marca da região polarizada por Caruaru, onde até a forma de comercializar é carregada de muita criatividade.

A força empreendedora de Santa Cruz do Capibaribe e de Toritama e a tradição mercantil de Caruaru despertaram e ainda despertam o interesse de pesquisadores, economistas e sociólogos. Não era para menos: o Pólo de Confecções do Agreste, com 12 mil unidades fabris e uma produção anual de seis milhões de peças, concentra 60% da produção do setor em Pernambuco e fatura quase 1,75 bilhão por ano, valor correspondente a 7% do PIB estadual.

O poder público ficou quase à margem do processo, a não ser ações isoladas de entidades estatais, a exemplo do Banco do Brasil, ao aprovar, nos anos 70, financiamentos para matéria-prima e máquinas, permitindo a modernização das fabriquetas. Para os defensores da livre iniciativa, “a mão invisível do mercado” foi a mola impulsionadora da indústria de confecções. Nesse aspecto, eles têm razão. Os governos atuaram de forma pontual.

Ultimamente, ante a invasão de produtos chineses, estudos de mercado, apoiados pelo Governo do Estado, constataram que para enfrentar essa concorrência – produtos sem qualidade, mas com preços baixos – era preciso sofisticar a produção, transformando as confecções do Agreste em roupas de grife.

A partir daí, o Governo de Pernambuco instalou o Centro Tecnológico da Moda e o Sebrae começou a trabalhar o “chão de fábrica”, orientando na disposição dos equipamentos, controle de produção, melhoria no gerenciamento e consolidação de empresas-âncora. O Senai investe na formação profissional de jovens e as unidades de ensino superior – UPE e UFPE – chegaram ao Agreste para atender à demanda por mão-de-obra especializada.

Essas ações são mínimas em relação ao trabalho de costureiras, donos de fabriquetas e feirantes. Ao unir os esforços, os empresários não esperaram pelo Poder Público para construir o Santa Cruz Moda Center, erguer o Parque das Feiras, em Toritama, e o Pólo Comercial de Caruaru.

Somente em épocas de eleição surgem promessas as mais diversas, como a duplicação da BR-104, rodovia que corta o Agreste, no sentido Norte-Sul, e liga o tripé das confecções – Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e Caruaru.

É um retorno irrisório para um setor que, ao criar trabalho e gerar renda, corresponde a 7% do PIB pernambucano. Se os pioneiros da sulanca, o precursor do jeans em Toritama e os feirantes de Caruaru ficassem à espera de migalhas dos governos municipais, estadual e federal ainda hoje estariam rezando para chover e salvar as lavouras.